1º de Abril | Por que mentimos?

Existem mentiras sinceras? Por que mentimos tanto uns para os outros?

Entre a sinceridade ferina e a falsidade carinhosa, prefiro a última.
No jogo impreciso do amor, vale mais a intenção forjada do que a fúria da razão.
Portanto, entre a espada crua da verdade, mentiras sinceras me interessam

Cazuza.

“Quem nunca mentiu, que atire a primeira pedra!” Diante dessa afirmação, é certo que não seremos apedrejados, pois não há ninguém que nunca tenha mentido. A mentira é, de alguma forma, natural. Apesar de crescermos ouvindo que é “feio” ou “errado” mentir, ela possui uma função política para a sociedade e psíquica para o indivíduo.

Às vezes, utilizamos esse recurso para agradar ou proteger quem amamos. Em outras, para escapar de situações desconfortáveis ou evitar sofrimentos. Empenhamo-nos em manipular a realidade por entender que a verdade, “nua e crua”, pode ser mais difícil de enfrentar. Escolhemos o caminho da fantasia porque isso nos proporciona certo alívio e amparo — mesmo que temporário! No entanto, as mentiras não são vistas com bons olhos, e, quando descobertas, podem gerar muitos problemas nos relacionamentos. Curiosamente, embora nem sempre sejamos completamente francos com os outros, esperamos deles total sinceridade.

1º de abril, o bobo caiu!

mentiras sinceras

Julgamos e punimos as mentiras com severidade, como se delas não compartilhássemos. Como somos contraditórios! Chegamos até a eleger um dia do ano para celebrar a mentira que tanto abominamos. O divertido Primeiro de Abril é quase um “segundo carnaval”, quando aquelas mentirinhas mais íntimas se fantasiam de verdade por um breve tempo, com a inocente expectativa de “dar um susto”!

Nesse dia, podemos experimentar como seria viver nossas fantasias, mas de uma maneira segura. Pois, para voltar à realidade, basta afirmar que aquela história não passou de uma “brincadeirinha”. Uma leve escapadinha da realidade não faz mal… Não é?

Nos outros 364 dias do ano, as mentiras supostamente nos protegem de algo. Porém, na prática, a pessoa que mente transfere as consequências de suas escolhas para o outro ou para o futuro, enquanto a mentira se sustenta. Sempre esquecemos que, quando as mentiras são descobertas, podem causar muita dor — às vezes, uma dor maior do que causaria a verdade que tentamos esconder. Os efeitos de uma mentirinha podem ser desastrosos, e devemos refletir muito antes de mentir. Então, por que mentimos?

Parte de mim teme o que parte de mim!

A “verdade” não é, necessariamente, o oposto de “mentira”. Do ponto de vista psicológico, a verdade é relativa e é do sujeito em questão.

Há mais verdades na mentira do que se pode supor. A mentira pode ser considerada inverídica quando pensamos no fato real, mas é verdadeira quanto ao desejo que venha a expressar. Ela denuncia algo desejado e não realizado, mas que encontra na mentira, uma representação possível. Denuncia as lutas que a pessoa empreende para manter a sua autoestima e sua estabilidade psíquica.

De acordo com a psicanálise, o mentir não implica necessariamente em imoralidade. O sujeito precisa e se utiliza da mentira. Mentiras podem indicar alguma verdade que, talvez, não fosse suportável se apresentada claramente. Imagina se o outro soubesse tudo o que se passa dentro de nós?

Cada pensamento, cada dúvida e cada maldade?

Nós mesmos tememos partes de nós! Precisamos da mentira como forma de evitar contato com elas. Não digo que este seja o caminho mais “saudável”. Mas, toda escolha que fazemos – seja consciente ou inconsciente – é sempre a melhor escolha para o sujeito – naquele momento. Ela vai refletir a capacidade psíquica que a pessoa tem para lidar com determinadas situações, naquele exato momento.

Só uma mentirinha

As mentiras podem ter a função de tornar a realidade menos frustrante ou até de evitar desconfortos sociais (mentira social). No entanto, sempre que a mentira for a única forma de o sujeito funcionar, é bom ficar atento, pois ela pode escalonar para uma condição patológica (mentira compulsiva — o que denuncia uma dificuldade em aceitar a realidade) ou até ter o intuito de prejudicar. Existem casos em que a pessoa perde totalmente a noção do que é fato e do que é invenção, assim como aqueles que mentem sem pudor para obter vantagem. Nos casos mais extremos, mentem com o intuito exclusivo de causar mal a alguém ou de tirar proveito.

De maneira geral, devemos estar atentos ao fato de que a mentira “traz consigo algo que faz parte de nós e desconhecemos, mas que nos habita e está no nosso inconsciente”. Em outras palavras, minhas mentiras dizem muito sobre mim, sobre minha dinâmica interna, intenções e percepções.

Encerro com a música do Noel Rosa, “Mentir (Mentira Necessária)“:

Saber mentir é prova de nobreza, pra não ferir alguém com a franqueza
Mentira não é crime! É bem sublime o que se diz, mentindo para fazer alguém feliz

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Imagem: “Sem nome
Artista: Dave Pollot Art
Site: Mais sobre
Adaptação: Equipe Diálogo Psi

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  1. Patricia 3 de maio de 2015 at 11:22 - Reply

    Deteeeeesto mentiras =((((((
    É terrível quando mentem pra gente, faz a gente se sentir pior quando descobrimos a verdade, doi duas x
    só me consola saber que quem mente, mente primeiro para si
    beijinhos

    • Diálogo - Espaço de Psicologia 3 de julho de 2016 at 17:49

      Você tem razão Patrícia! Ninguém gosta né? Espero que o texto te traga uma boa reflexão! <3

  2. Lariça Mendes 17 de abril de 2015 at 12:15 - Reply

    Adorei! Adorei! Muito bom o texto! Compartilhando!

    • Diálogo - Espaço de Psicologia 3 de julho de 2016 at 17:49

      Fico feliz, Lariça! Obrigada!

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Autoria do texto
Júlia Maria Alves

Psicóloga graduada pela UFMG (2009), com especialização em Clínica Psicanalítica na atualidade pela PUC-MG (2021) e em Gestão de Pessoas pela Fundação Dom Cabral (2012). Atua com atendimento clínico e orientação profissional.

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