Clube do Livro: “Véspera” de Carla Madeira
Quem nunca passou por um momento de turbulência? Aqueles instantes em que a vida parece virar de cabeça para baixo e nos vemos fazendo coisas que jamais imaginaríamos?
No “Clube do Livro” deste mês, vamos explorar esses temas através da obra “Véspera” de Carla Madeira. Este é um daqueles livros que, assim que terminamos, sentimos um vazio profundo, seguido de uma necessidade urgente de discutir e compartilhar nossas impressões com alguém. O impacto é tão forte que parece nos atropelar.
No texto de hoje, vou falar um pouco sobre o livro e compartilhar algumas das minhas percepções. Mas, se preferir, pode pular diretamente para o próximo texto, onde vamos discutir: Por que chegamos a atitudes extremas?
Não esqueça de deixar nos comentários o que você achou do livro. Estou curiosa para saber sua opinião!
Vamos começar?
“A descida até o lugar onde somos capazes de tudo é, por vezes, um desmoronamento lento misturado à banalidade dos dias. Ou abrupta avalanche”.
Sobre o Livro: “Véspera”
Como vocês já viram, classifiquei este livro com 4 estrelas. Primeiramente, pela sua fluidez e facilidade de leitura, que refletem uma escuta atenta do cotidiano. As histórias são simples e, por vezes, até um pouco previsíveis, mas surpreendem pela maneira emocionante e envolvente com que são contadas. A escrita é direta e atual, dividida em capítulos curtos que nos fazem querer continuar lendo sem parar. Talvez por esse motivo, acabamos emendando um capítulo no outro e, de repente, já terminamos o livro. Contudo, percebi uma quebra de ritmo no meio da narrativa, tornando-a um pouco cansativa. Mas nada que nos desmotivasse a seguir, especialmente porque o final é recompensador!
O romance acompanha a vida de Vedina e sua história se entrelaça com a de outros personagens, graças a um recurso narrativo inteligente da autora, que utiliza capítulos que remontam ao passado. Essas narrativas convergem para o futuro na angustiante tragédia que abre o livro. Em outras palavras, a autora nos revela a véspera da véspera da véspera desse acontecimento traumático.
Resumo do enredo
Vedina é uma executiva bem-sucedida e uma mulher profundamente abalada por um casamento sem amor. Seu marido é ausente, e ela se sente esgotada pela hiperatividade do filho de 5 anos. O livro começa em um dia típico de uma mãe cansada, enquanto tenta arrumar e levar o filho para a escola, ele quebra uma cristaleira logo pela manhã. Vedina segue cumprindo essa rotina “de qualquer jeito”, meio impaciente, com a mente ocupada pelos desconfortos e dilemas do casamento. Como uma última provocação involuntária, o menino inquieto acerta um chute nela dentro do carro. E, num ímpeto de frustração, ela abre a porta e o coloca para fora, bem no meio de uma avenida de mão única.
Então, ela arranca o carro…
Poucos segundos se passam até que Vedina se arrependa de sua atitude explosiva. Ela faz uma volta aparentemente interminável no quarteirão para buscar o filho, mas, ao chegar ao local, descobre que ele já não está mais lá. A partir desse momento, o livro entrelaça as horas que se seguem ao ato impulsivo dessa mãe com todas as vésperas que levaram a esse dia. Os capítulos se alternam com a história dos gêmeos Caim (cunhado) e Abel (marido de Vedina), cujos nomes fazem referência à história bíblica do primeiro assassinato da humanidade.
O pai dos gêmeos, sogro de Vedina, é um homem alcoólatra e amargurado que, em um gesto de provocação, dá aos filhos esses nomes para ferir sua esposa, uma mulher religiosa e rígida. Essa escolha de nomes tem um impacto profundo e duradouro, influenciando a forma como os gêmeos são tratados pelos pais, na escola e pelos colegas, marcando definitivamente suas vidas e personalidades.
Sobre as personagens
Carla Madeira demonstra uma habilidade incrível em criar personagens complexos, profundos e repletos de contradições. Ela nos revela várias nuances da condição humana, e posso afirmar com certeza que o que mais me encantou no livro foi justamente essa construção detalhada dos personagens.
É uma construção autêntica e crível: eles não são completamente bons nem maus, mas sim seres humanos com seus erros, acertos, traumas e desejos. São apenas humanos, frágeis e até meio perdidos. E, acima de tudo, são guiados e moldados pelas emoções e experiências que vivem.
Caim, “aquele que mata“, não é mau, mas sim vivaz e cheio de curiosidades. Ele “mata” o irmão ao soltar-lhe a mão, ao não corresponder às expectativas que recaíam sobre si. Enquanto isso, Abel, “aquele que morre“, escolhe se “entregar à morte”, vivendo de forma mortificada, sem vitalidade, obcecado pelo irmão.
Análise dos temas
Muitos temas recorrentes na sociedade estão presentes nesta obra, como: a força vulcânica da sexualidade e do amor; o abismo da rejeição, do abandono e do desamor; os impactos de não aceitar as diferenças e a individualidade; a irrupção da violência, do ressentimento, da vingança e da culpa, entre outros.
Como há muitos pontos que me chamaram a atenção no livro e para que este texto não se torne extenso demais, dividi a análise em quatro partes. Cada uma é independente, então você pode começar por onde quiser:
Gostou? Continue a leitura sobre os temas do livro:
- 1) Sobre o livro: “Véspera” Carla Madeira (03/11/22).
- 2) Como se chega aos extremos? Vivendo! / Abandono, violência e trauma. (10/11/22).
- 3) A história prévia que nos constitui / Nomeação simbólica. (17/11/22).
- 4) A mulher, mãe, dona de casa e a trabalhadora cansada. (24/11/22).
Referências
Livro:
- Livro: VÉSPERA – Romance. Autora: Carla Madeira. Editora: Record. 280 páginas. Disponível aqui.
Imagens:
- “Vulcão” National geographic Brasil
- “Vulcão ativo” Magazine Civitalis
- Edição: Equipe Diálogo Psi
Leia mais:
Outros livros, filmes e séries com a temática de relações conturbadas entre irmãos gêmeos:
- “Game of Thrones“: Série / Drama (2011).
- “Esaú e Jacó“, Machado de Assis. Livro / Romance (1904). Disponível aqui
- “Gêmeos – Mórbida Semelhança“. Filme / Terror/Thriller (1988).
- “As gêmeas” em “A vida como ela é“, Nelson Rodrigues. Contos (1992). Disponível aqui
- “A comédia dos erros” – Shakespeare. Livro / Teatro inglês (1564). Disponível aqui
- “A consciência” em “Vozes interiores“, Victor Hugo (1837).
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Autoria do texto
Júlia Maria Alves
Psicóloga graduada pela UFMG (2009), com especialização em Clínica Psicanalítica na atualidade pela PUC-MG (2021) e em Gestão de Pessoas pela Fundação Dom Cabral (2012). Atua com atendimento clínico e orientação profissional e gestão de carreira.