Clube do livro
Clube do Livro: “O peso do pássaro morto” Aline Bei
Aline Bei publicou “O Peso do Pássaro Morto” pela Editora Nós em 2017. Ao longo de 9 capítulos (nos quais cada um enfoca uma idade específica – 8, 17, 18, 28, 37, 48, 49, 50 e 52 anos), narra a história da vida de uma mulher marcada por uma trajetória de perdas, sofrimentos e silêncios. Por consequência, ao longo do texto, acompanhamos seu amadurecimento, suas maneiras de lidar com as perdas e de contornar a própria dor.
Sobre o livro
Vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura de 2018, a obra é um romance escrito em prosa poética, com narrativa em primeira pessoa. Antes de mais nada, é um destaque a maneira como a autora usa a linguagem de maneira visceral e direta, ao mesmo tempo em que confere lirismo à dor e à experiência feminina.
A história aborda profundamente a questão da violência que atravessa o corpo de uma mulher. A personagem principal e narradora, uma mulher sem nome, tem uma vida dura e enfrenta vários tipos de violência — especialmente daqueles que ama. A escrita fragmentada e cheia de lacunas reflete o estado mental da protagonista, ecoando sua solidão e sua luta constante para se manter inteira frente às perdas que vão acumulando peso ao longo do tempo.
Apesar de curto (165 páginas), o livro causa um impacto gigantesco; seja pela costura cuidadosa entre poesia, silêncios, pureza e violência; bem como pelas provocações e identificações que desperta. Ou seja, qualquer mulher pode se identificar com pelo menos uma dessas dores e perdas em algum momento de sua vida.
Um comentário compartilhado pela própria autora em suas redes sociais traduziu bem meu pensamento ao ler este livro: “Já chorei lendo livros por tristeza, por pena, por amor… mas foi a primeira vez na vida que chorei lendo por ser mulher.” Essa foi exatamente a conclusão a que cheguei ao terminar o livro: “Como é duro ser mulher! Quanta dor uma mulher suporta em silêncio?“.
O silêncio, para mim, disputa o papel de principal coadjuvante. É impressionante como ele se faz sentir na história, materializando-se nos cortes dos parágrafos e da cadência da narrativa. Falaremos dele mais adiante.
Reflexões sobre o livro / Contém spoilers
Podemos ler “O Peso do Pássaro Morto” como uma proposta de exploração das várias formas de luto e como elas moldam nossa identidade. A protagonista, ao longo de sua vida, é marcada por várias perdas — de amigos queridos, da inocência, da maternidade, da vida — e essas perdas acumulam-se como camadas de dor que pesam umas sobre as outras. Tal como o pássaro morto que ela carrega no título.
O pássaro morto, metaforicamente, pode ser entendido como a representação dos traumas e das experiências dolorosas que não são totalmente processadas, que ficam aprisionadas, manifestando-se em sintomas, comportamentos e, especialmente, no silêncio. Se o luto é um processo necessário para a separação do objeto de amor que foi perdido; Bei sugere que, para a protagonista, esse processo nunca se completa totalmente. Há uma estagnação, uma perpetuação do luto que se transforma em melancolia.
A linha entre o trauma e a sobrevivência é tênue, e a protagonista caminha nessa linha ao longo da obra. O “peso” que ela carrega é o de uma vida marcada pela perda, mas também pela resistência silenciosa. A resistência, no entanto, não é heroica; é antes uma forma de sobrevivência em meio ao caos interno, uma adaptação a um mundo onde as expectativas sociais e pessoais estão em constante confronto com a realidade das perdas irreparáveis.
Por fim, a construção do eu feminino na obra de Aline Bei pode ser vista como uma batalha constante entre a necessidade de se reconstruir após cada perda e a inevitável atração pelo abismo, pelo vazio deixado por essas ausências. A narrativa sugere que, embora a protagonista continue vivendo, há algo de irremediavelmente quebrado em sua essência, uma rachadura que nunca se fecha por completo.
Referências
Livro:
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Livro: O PESO DO PÁSSARO OMRTO – Romance. Autora: Aline Bei. Editora: Nós. 165 páginas. Disponível aqui.
Imagens:
- Edição: Equipe Diálogo Psi
Leia mais:
Outros livros, filmes e séries com a temática de perdas e luto:
- “This is us“: Série / Drama (2016).
- “As intermitências da morte” – José Saramago. Livro / Romance (2005). Disponível aqui
- “Mas por quê??! A História de Elvis” Peter Schössow. Livro / Infantojuvenil (1988). Disponível aqui.
- “Reencontrando a felicidade” Filme / Drama (2010).
Júlia Maria Alves
Psicóloga graduada pela UFMG (2009), com especialização em Clínica Psicanalítica na atualidade pela PUC-MG (2021) e em Gestão de Pessoas pela Fundação Dom Cabral (2012). Atua com atendimento clínico e orientação profissional e gestão de carreira.