Cultura e Linguagem | Psicanálise
“O quarto ao lado”: Reflexões sobre morte e o direito à Eutanásia
“O Quarto ao Lado” é o primeiro longa-metragem de Pedro Almodóvar em língua inglesa e já conquistou o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Mais do que um drama, o filme nos convida a refletir sobre temas profundos, como a morte, a amizade e o direito à eutanásia. Vamos juntos explorar essas questões?
Resenha: A Amizade de Ingrid e Martha
A história acompanha Ingrid (Julianne Moore) e Martha (Tilda Swinton), duas amigas que, apesar da distância e do tempo, se reencontram em um momento crítico. Ingrid é uma escritora de sucesso, enquanto Martha, correspondente de guerra, enfrenta um câncer terminal. Ao descobrir o estado da amiga, Ingrid decide visitá-la no hospital, iniciando uma reconexão marcada pela fragilidade e pela profundidade da condição humana.
O pedido inesperado de Martha é o ponto de virada do enredo. Ela opta por interromper sua vida e pede a Ingrid que permaneça no quarto ao lado enquanto isso acontece. A justificativa é simples e poderosa: não quer estar sozinha nesse momento. Embora hesitante, Ingrid ouve Martha explicar que suas escolhas são movidas pela busca de dignidade e pelo desejo de não deixar o câncer definir sua despedida.
Martha argumenta: “Eu fiquei reduzida a muito pouco de mim mesma. […] O câncer não pode acabar comigo se eu acabar primeiro.” Sua decisão reflete uma forma pessoal de “vencer” o câncer, ao retomar o controle sobre sua vida — e sua morte.
A Travessia das Tragédias
“Há muitas maneiras de se viver dentro de uma tragédia” é uma frase dita por Martha que sintetiza o tema central do filme. A morte é uma certeza, mas a maneira de viver até ela é uma construção singular.
Quando enfrentamos uma tragédia, como por exemplo, uma doença terminal, nossa visão de mundo e identidade podem ser profundamente abaladas. Sentimentos como desamparo e angústia emergem, e o sujeito pode se sentir “sem chão”. Como bem pontua Martha: “Eu fiquei reduzida a muito pouco de mim mesma.”
Nesse momento, é importante que o sujeito articule o que sente, nem sempre com o intuito de resolver ou de “curar”, mas de compreender as camadas desse sofrimento, ressignificando-o. Em outras palavras, o processo de lidar com a tragédia é único: envolve reconhecer o sofrimento, compreendê-lo e, aos poucos, ressignificá-lo.
A travessia da dor não se limita a “superar”, como também sobre integrar essa experiência na narrativa da vida. Para alguns, isso pode significar redescobrir o que ainda faz sentido, reconstruir relações ou até redefinir sua conexão com o mundo. No caso de Martha, sua escolha de enfrentar o câncer ao decidir como e quando morrer exemplifica sua tentativa de ressignificar a tragédia. Essa decisão, embora polêmica, reflete a autonomia de quem busca viver — ou partir — com autenticidade e dignidade.
A visão de Damian: O pessimismo diante do futuro
O contraponto à postura de Martha é Damian (John Turturro), que adota uma visão profundamente pessimista sobre a condição humana. Resignado, ele reflete sobre a fragilidade da esperança e a inevitabilidade do sofrimento. Para ele, a tragédia não é algo a ser enfrentado, mas suportado.
Damian personifica o desânimo diante dos dilemas éticos e sociais do mundo contemporâneo. Sua melancolia levanta uma questão central: como encontrar sentido em uma realidade marcada por dores e contradições?
Ingrid, por sua vez, tenta inspirá-lo ao lembrar a coragem de Martha, que escolheu uma travessia marcada pelo significado e pela dignidade. Ao dizer que a simples visão de Martha viva renovava sua vontade de viver, Ingrid nos convida a refletir sobre a importância de encontrar inspiração mesmo em meio às adversidades.
Eutanásia: O Direito de Escolher
O filme também aborda, de forma sensível, o tema da eutanásia. O dilema vivido por Ingrid e Martha é ampliado pela presença de um policial conservador, que simboliza a resistência social e legal ao direito de morrer com dignidade.
A escolha pela eutanásia é uma questão complexa, que envolve sofrimento, autonomia e dignidade. Para muitos, decidir sobre o próprio fim é uma forma de retomar o controle em um momento de extrema vulnerabilidade.
Sob essa perspectiva, o direito à eutanásia transcende o debate moral, tornando-se uma expressão de liberdade individual. No entanto, a resistência a esse direito reflete desafios éticos e culturais profundamente enraizados, que continuam a gerar debates em nossa sociedade.
Conclusão
“O Quarto ao Lado” é mais do que um filme: é um convite para refletirmos sobre temas difíceis, mas essenciais. Ao explorar a morte e o direito à eutanásia, a trama nos lembra que o sofrimento, embora inevitável, pode ser ressignificado. Cada escolha — mesmo as mais dolorosas — revela algo sobre a maneira como lidamos com nossa condição humana.
E você, o que pensa sobre esses temas? Compartilhe nos comentários!
Júlia Maria Alves
Psicóloga graduada pela UFMG (2009), com especialização em Clínica Psicanalítica na atualidade pela PUC-MG (2021) e em Gestão de Pessoas pela Fundação Dom Cabral (2012). Atua com atendimento clínico e orientação profissional e gestão de carreira.
Ô, interessante. Não tinha pensado assim. Bom texto
Oi João, ficamos felizes que gostou! Conta ai pra gente o que você pensou =)