Em um mundo marcado por redes sociais e aplicativos de encontros, o ciúme muitas vezes é interpretado como uma consequência moderna. No entanto, esse sentimento ultrapassa qualquer novidade tecnológica, sendo uma reação emocional profundamente enraizada na condição humana.
E o interesse pelo tema ciúme é um tão antigo quanto o próprio amor, e suas nuances têm sido exploradas por grandes pensadores ao longo dos séculos; passando por William Shakespeare, em sua tragédia “Otelo, o Mouro de Veneza” há mais de 400 anos, até muitos e muitos escritores contemporâneos.
“Os ciumentos sempre olham para tudo com óculos de aumento, os quais engrandecem as coisas pequenas, agigantam os anões, e fazem com que as suspeitas pareçam verdades.”
Cervantes
Ciúme: Demonstração de Amor ou Controle?
O ciúme é descrito como uma emoção complexa que reflete tanto os desafios do amor quanto as vulnerabilidades humanas. Embora algumas pessoas o vejam como “tempero” para a relação, ele frequentemente mascara outra dinâmica: o desejo de posse. Nesse sentido, o ciúme não seria necessariamente sobre um “cuidado com o outro”, mas uma tentativa de proteger o que se acredita ser “seu”.
Essa dinâmica pode levar a relacionamentos adoecidos ou “tóxicos”, como se convenciona chamar nos dias atuais. Dessa maneira, o parceiro é visto como propriedade, e não como um sujeito. Restringindo a segurança na relação ao olhar vigilante sobre o outro. Assim, excluindo outras possibilidades de interesse ou convivência.

“Se alguém parece não possuí-lo, justifica-se a interferência de que ele experimentou severa repressão e, consequentemente, desempenha um papel ainda maior em sua vida mental inconsciente.”
Freud (1922/1996, p. 271)
Por outro lado, como localiza Freud, a ausência total de ciúme poderia indicar desamor ou repressão de sentimentos. E o ciúme reprimido desempenha um papel ainda maior no inconsciente, influenciando comportamentos de forma indireta e muitas vezes destrutiva.
Portanto, nem no excesso nem na ausência total, é importante reconhecer que o ciúme existe e é uma reação emocional natural frente a uma ameaça à nossa segurança afetiva, que visa eliminar os riscos da perda do objeto amado. Desde que ele seja passageiro, negociável e coerente com a realidade vivida pelo casal. Ou seja, diante do ciúme podemos localizar para o outro o que nos incomoda ou machuca e negociar o que é possível adequar naquela relação, tendo em mente a compreensão que o outro vai fazer escolhas diferentes das nossas (leia mais aqui).
Quando se torna patológico
[su_quote cite=”William Shakespeare”]Os ciumentos não precisam de motivo para ter ciúme. São ciumentos porque são. O ciúme é um monstro que a si mesmo se gera e de si mesmo nasce.[/su_quote]
O ciumento que se sente sequestrado pelo sentimento, passa a existir em função do outro: O que ele faz, deixa de fazer, pensa, os ‘porquês’ de suas ações e escolhas… Há sempre “algo por trás” de tudo. O ciúme, em sua forma patológica, extrapola os limites saudáveis, gerando comportamentos obsessivos e por vezes até violentos. Esse padrão traz sofrimento tanto para o ciumento quanto para o parceiro, prejudicando a relação e a saúde mental de ambos. Essa condição é marcada por:
- Desconfiança excessiva e sem fundamentos;
- Preocupação com o passado do parceiro;
- Necessidade constante de controle;
- Sentir-se constantemente tomado por emoções como raiva, ansiedade e tristeza.
Entretanto, o ciúme não precisa ser um “monstro consumidor”. Ele pode ser reconhecido e elaborado.
Elaborar o Ciúme
O ciúme pode ser compreendido como uma expressão de uma vulnerabilidade ou uma dúvida sobre o próprio valor na relação amorosa. Para o ciumento, a cena de controle e desconfiança funciona como um escudo para evitar confrontar questões mais profundas, como:
- “O que eu sou para o outro?”
- “Qual é o meu valor nesta relação?”
No processo terapêutico, o foco não é encontrar a causa do ciúme, mas compreender a posição subjetiva que ele ocupa na vida do indivíduo. Isso permite que a pessoa ressignifique sua relação consigo mesma e com o outro, rompendo o ciclo de controle e desconfiança.
Esse entendimento é o primeiro passo para transformar relações marcadas pelo controle em espaços de confiança e liberdade. Se você percebe que o ciúme está prejudicando sua vida ou suas relações, a psicoterapia pode ser uma ferramenta valiosa para alcançar equilíbrio emocional. Inclusive, pode proporcionar um espaço seguro para explorar essas vulnerabilidades.
Referências e sugestões de leitura:
- BARONCELLI, L. Amor e ciúme na contemporaneidade: reflexões psicossociológicas. (2011) Psicologia & Sociedade, 23(1), 163-170.
- FREUD, S. (1914/2010). Introdução ao narcisismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. V. 18. v. 12.
- FREUD, S. (1922/1996). Alguns Mecanismos neuróticos no ciúme, na paranoia e no homossexualismo. E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 19.
- KLEIN, M. Inveja e gratidão. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974. 139 p.
- LACHAUD, D. Ciúmes. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2001, 148p
- SIMÕES, A. Psicanálise e ciúmes.
- SHAKESPEARE, W. Otelo, O mouro de Veneza (1604).
- VIEIRA A.N. SIRELLI N.M. Os mecanismos psíquicos do ciúme na psicanálise.
Imagens compartilhadas:
- “A GOOD WIFE” Giulia Rosa – Ver original aqui
- Imagem da capa, original
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Comentários
Infelizmente é mesmo verdade,é necessário ter atenção para evitar que os ciúmes estraguem tudo e dominem a relação
Com certeza, Sueli! O autoconhecimento é um bom começo! ;-)
Um ciuminho de vez em quando até que é bom.Mostra que cuidamos.Eu gosto quando meu namorado demonstra,e não ha nada de passional.O que acontece é que algumas pessoas têm problemas anteriores…..são controladoras, dominadores, possessivas, autoritárias, inseguras, e numa relação amorosa (ou outra ),acaba aparecendo a patologia.
Obrigada por partilhar sua opinião, Bebel
;-)