O que são verdades e mentiras sobre o TDAH?
Já faz um tempo que o TDAH, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, tornou-se um alvo nas mídias. Vê-se uma quantidade considerável de publicações que saem em periódicos científicos e até em tabloides; em espaços destinados à medicina, educação, psicologia, família e criação de filhos entre outros. As publicações sobre o tema apresentam versões muito diferentes e até mesmo contraditórias. Mas, o que são verdades e mentiras sobre o TDAH?
Antes de mais nada, isso é compreensível já que ele é ainda um transtorno em estudo; utilizando-se das novas tecnologias que a ciência moderna dispõe para melhor entendimento da sua causa (etiologia), substrato neuropsicológico e consequentemente, seu tratamento. Em muitos casos, essas publicações colocam o TDAH como o grande mal desse período em que vivemos. Por vezes, dando a impressão de que é um quadro que surgiu “recentemente” em função do nosso contexto de vida “desequilibrado”.
No entanto, em 1902, o pediatra George Still já havia descrito o quadro que passou por várias nomeações diferentes. Em 1968 constava no Manual de estatística e Diagnóstico DSM-II da Associação Americana de Psiquiatria (APA), a princípio, era nomeado como Desinibição Motora. O transtorno sofreu mais alterações de nomenclatura e descrição ao longo do tempo até chegar nessa ultima versão, do DSM-V em 2013. E, desde 1987, já é citado como Transtorno do Déficit de Atenção. Ou seja, primeiro ele não é fruto da sociedade moderna e não pode mais ser considerado novo, pois já temos aí mais de um século de estudos a respeito.
O que é TDAH?
Barkley (2008) coloca o TDAH como:
“termo que designa um transtorno desenvolvimental específico observado tanto em criança quanto em adultos, que compreende em déficits na inibição comportamental, atenção sustentada e resistência à distração, bem como a regulação do nível de atividade da pessoa às demandas de uma situação (hiperatividade ou inquietação)”.
Um transtorno do desenvolvimento quer dizer que ele ocorre durante o período maturacional e evolutivo. E, tem uma lógica biológica influenciado por contingências ambientais. Então o TDAH está presente desde as fases primárias do desenvolvimento, mesmo que só seja possível diagnosticar após certa idade.
Mas o TDAH realmente existe?
Após uma superexposição do tema nas mídias e com consequente aumento dos diagnósticos, atualmente têm se visto publicações que questionam a veracidade do quadro do TDAH e até sua existência. Essas publicações devem ser lidas de forma crítica. Pois, o fato de se ter muitos falso diagnóstico (casos diagnosticados como tal, mas que não são TDAH) não pode ser levado ao extremo da negação de que o transtorno exista.
Em suma, para diagnóstico do quadro existem alguns critérios que fazem toda a diferença: São dados 18 sintomas que descrevem a desatenção e hiperatividade/impulsividade. Destes, é preciso apresentar 6 de cada grupo de forma clinicamente significativa e inconsistente com a idade do indivíduo durante 6 meses. Os sintomas devem comprometer pelo menos duas áreas da vida do indivíduo impactando a vida acadêmica, social, profissional, etc.. E esses sintomas não podem ser explicados por outros transtornos, como por exemplo, depressão, esquizofrenia.
Antes de mais nada, os grifos são extremamente relevantes para não considerar patológico características que são comuns. Especialmente, quando essas características não atuam de forma disfuncionais ou são comuns à uma faixa etária. Em outras palavras, muitas pessoas podem se identificar com uma dificuldade de organizar tarefas e atividades. No entanto, ela deve ser frequente e causar prejuízo ao sujeito e não pode acontecer só em relação a escola, bem como em casa e em outros âmbitos. Outros exemplos; a maioria das crianças de 3 anos podem ser enquadradas em “frequente dificuldade em prestar atenção à detalhes, cometendo erros por descuido“. E alguém pode estar “distraído, alheio às tarefas“, mas em função de um quadro ansioso.
Alguns outros aspectos contribuem para todo o questionamento que tem sido feito à respeito do TDAH:
- A etiologia ainda não é certa, já existem vários estudos com resultados importantes, porém ainda pouco conclusivos. Em síntese, estudos sugerem fatores genéticos; problemas gestacionais e uso e exposição de substâncias psicoativas durante a gravidez como nicotina, chumbo; adversidades na hora do parto e prematuridade.
- A definição do perfil ou modelo neuropsicológico também está em fase de estudos para compreender o que de fato está disfuncional quando se configura um quadro de TDAH. Existem várias hipóteses de sistemas funcionais dos processos atencionais que elucidam circuitos envolvidos que estão sendo testadas através de técnicas recentes com o uso de exames de neuroimagem.
- Existem diferenças entre critérios diagnósticos americanos (DSM-V) e europeus (Classificação Internacional de Doenças, CID-10). Assim também, para além dos critérios, existe um viés que é cultural e que pode gerar inconsistências diagnósticas em diferentes países.
Exagero de diagnóstico e medicalização?
De fato, o que foi exposto acima pode vir acompanhado por exagero de diagnóstico e medicalização indiscriminada na população infantil. Levando-se em conta o parâmetro epidemiológico que diz que o quadro afeta de 6 a 8% das crianças, parece que vivenciamos uma “hiper diagnosticação”, pois convivemos com muitos sujeitos identificados com TDAH, o que nitidamente ultrapassa a faixa prevista.
Utilizo a palavra “identificação” de forma proposital. Aliás, vemos muitas vezes profissionais não médicos e até mesmo a própria família fazendo o que não tem competência; que é diagnosticar! Do mesmo modo o TDAH virou uma panaceia muito confortável para enquadrar problemas que são difíceis de lidar na esperança de que, sendo “doença”, é passível de tratamento. Porém, não se justifica como reação a negação de um quadro que, na verdade, vem sendo “mal tratado”.
Além de questionar o quadro do TDAH muito se especula de que as crianças então sendo medicadas para virar zumbis, sendo expostas à dependência da Ritalina, que é um remédio muito perigoso.
Primeiramente, o tratamento indicado para o TDAH é multimodal. Ou seja, composto pelo medicamento, orientação familiar, escolar e/ou profissional, terapia, técnicas neuropsicológicas e intervenções ambientais para treinamento de autoinstrução, atorreforço, resolução de problemas e estratégias metacognitivas . Na maioria das vezes o que se adota é apenas a intervenção medicamentosa.
A Ritalina é a droga da obediência?
Uma segunda questão é que o metilfenidato (Ritalina). Ele já é utilizado desde 1930 em crianças e adolescentes, e seus efeitos colaterais foram estudados por Pastura e Mattos (2004) que concluíram que o medicamento é clinicamente seguro para tratamento de TDAH, com efeitos colaterais pouco freqüentes, de pouca gravidade e facilmente contornáveis pelo médico. Os efeitos colaterais citados em ordem de maior ocorrência são: diminuição de apetite, insônia, dor abdominal, cefaléia, propensão ao choro, tiques, tontura, náuseas, roer unha, falar pouco, ansiedade, desinteresse, euforia, irritabilidade, pesadelo, tristeza e olhar parado.
E por fim a questão da dependência ao medicamento. Isso também foi analisado por Pastura e Mattos (2004) como sendo um risco mais teórico que prático. A medicação comum tem duração média no organismo de 3 a 5 horas, enquanto os medicamentos de ação prolongada alcançam o máximo de 12 horas. As prescrições normalmente levam em conta a rotina do indivíduo priorizando os momentos de maior necessidade de atenção (período escolar ou de trabalho). E, não sendo um grau muito grave, a pessoa ficará uma parte do dia sem a ação da medicação. Segundo Pastura e Mattos (2004):
“Geralmente, o paciente com TDAH consegue um bem-estar muito grande ao utilizar a medicação, o que na verdade, é um estímulo para manter o seu tratamento de forma adequada. A farmacocinética do medicamento, com início relativamente lento de ação e pico sérico em uma hora, torna menos provável o abuso para fins recreativos. O risco de abuso pelo paciente é considerado raro, porém há relato anedótico de uso indevido por parte de familiares e amigos”.
Conclusão
Então podemos concluir que o medicamento corresponde satisfatoriamente ao tratamento. Igualmente sem ameaça relevante ao futuro do indivíduo que apresenta o TDAH. No entanto, sabemos que não são só esses casos que fazem o uso da medicação, como foi comentado acima. Existem muitos falsos diagnósticos e se a pessoa não tem a necessidade, infelizmente ela está exposta aos efeitos colaterais sem o benefício da medicação. Bem como existem muitas pessoas fazendo uso indiscriminado do medicamento em busca dos seus efeitos de melhora na atenção, agitação e buscando emagrecimento. Infelizmente essas condutas ajudam a desabonar o conceito do TDAH. Pois, aqueles indivíduos que de fato apresentam o TDAH podem deixar de receber o diagnóstico e tratamento adequados.
REFERÊNCIAS :
- BARKLEY, R.A. & MURPHY, K.R. Transtorno de déficit de atenção / hiperatividade: exercícios clínicos. 3ed, Porto Alegre: Artmed, 2008.
- ORTEGA, Francisco et al . A ritalina no Brasil: produções, discursos e práticas.Interface (Botucatu), Botucatu ,v. 14, n. 34, p. 499-512,Sept. 2010.
- PASTURA, G.; MATTOS, P. Efeitos colaterais do metilfenidato.Rev. Psiquiatr. Clin., v.31, n.2, p.100-4, 2004RODRIGUES, S.D; AZONI, C.A.S; CIASCA, S.M. Transtornos do desenvolvimento: da identificação precoce às estratégias de intervenção. 1ed. Ribeirão Preto, SP: Book Toy, 2014, p. 203-238.
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Autor(a):
Nathalia Santos da Costa – Psicóloga e mestre em Neurociências (UFMG), pós graduada em Neuropsicologia (FUMEC). Experiência clínica em psicoterapia, avaliação neuropsicológica e orientação profissional e de carreira. Experiência em docência em cursos de graduação, pós- graduação de psicologia e psicopedagogia e capacitações em instituições de ensino.
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Autoria do texto
Nathalia Santos da Costa
Psicóloga e mestre em Neurociências pela UFMG, pós graduada em Neuropsicologia pela FUMEC. Experiência clínica em atendimento psicoterapêutico, avaliação neuropsicológica e orientação profissional e de carreira. Experiência em docência em cursos de graduação, pós- graduação de psicologia e psicopedagogia e capacitações em instituições de ensino.