Não! Não é a mesma coisa conversar com um amigo e com um psicólogo. Vamos compreender melhor essa diferença. A escuta é uma fase da comunicação essencial para que possamos compreender o outro. E, dessa forma, um bom amigo pode nos ouvir empaticamente e prestar atenção, mantendo uma atitude positiva de interesse pelo o que dissemos. Possibilitando, assim, um espaço de acolhimento, portanto, terapêutico. Diante disso, não é errado dizer que um amigo pode nos “aquecer o coração” e ajudar a superar algumas dificuldades. 

Mas, é isso o que faz um psicólogo? O papel de um amigo?

O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: “Se eu fosse você”. A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. É na não escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção.

Rubem Alves

Escutar e ouvir são coisas diferentes

O significado do “Ouvir” pode ser entendido como uma ação dos nossos sentidos, a audição. Ou seja, habilidade dos nossos ouvidos de captar sons do mundo externo. Logo, a habilidade de se comunicar com alguém está ligada a ouvir o que o interlocutor tem a dizer – e isso pressupõe despender alguma atenção – bem como, certa compreensão comum do código linguístico. E, ainda assim, é bem provável que a mensagem falada não seja a mesma mensagem ouvida.

Existe uma diferença entre o ouvir e o escutar. O processo de escutar já vai um pouco além, e corresponderia ao ato de ouvir atentamente e, também, se utilizando de alguns outros recursos para compreender a mensagem que está sendo dita. Por exemplo, um bom amigo pode nos ouvir empaticamente! Tentando compreender a mensagem e os sentimentos envolvidos. Inclusive, abrindo mão de julgamentos e crenças pessoais e com a mesma qualidade de escuta e amor descritos na citação de Rubem Alves logo acima. Isso é, com certeza, sempre muito acolhedor!

Porém, a escuta de um psicólogo ainda é diferente e tem uma proposta e função distintas do escutar de um bom amigo.

E o que isso significa?

Estamos limitados por nossa condição humana. Ou seja, nossas ações e estados estão marcadas de alguma forma por nossa subjetividade, história pessoal e pelo contexto no qual elas ocorrem. Ao psicólogo interessa escutar essas particularidades e subjetividade que, muitas vezes, se perdem nos diálogos cotidianos.

É uma escuta que convoca outros sentidos e todas as formas de aquisição do conhecimento, não se restringindo apenas a uma coleta de informações, de dados. Essa escuta visa captar as singularidades que atravessam nossa condição humana, nossas contradições, o não dito, o silêncio, nossas possibilidades e impossibilidades, etc. O psicólogo escuta e a partir disso faz um cálculo clínico, cria hipóteses e intervenções. Portanto, a escuta clínica é uma das principais ferramentas do psicólogo e vai além de um simples “ouvir empaticamente e prestar bastante atenção”. Enfim, são necessárias determinadas posturas intelectuais e comportamentais adequadas à uma compreensão teórica do homem e suas relações.

O ato de escutar na psicoterapia

Quando buscamos uma psicoterapia existe algo que nos angustia, mesmo que não tenhamos conhecimento total disso ou até mesmo que não queiramos saber mais sobre isso. Só sentimos que precisamos ser ouvidos, antes de tudo, silenciosamente, sem fazer qualquer julgamentos e sem opinar. A prática da escuta significa o reconhecimento do sofrimento do paciente, pois o ato de ouvir assume que há algo para se ouvir, oferecendo a este a oportunidade de falar e expressar-se. Ainda, a escuta é um instrumento importante para a obtenção de informações (MESQUITA).

A escuta pode minimizar as angústias e o sofrimento daquele que fala, pois, além de ser base para as intervenções que o psicólogo irá fazer, é possibilitado ao próprio indivíduo se ouvir, induzindo-o a uma autorreflexão e, possivelmente, a uma mudança no quadro que o causava angústia anteriormente.

A escuta clínica ou terapêutica é um instrumento fundamental ao fazer do psicólogo em qualquer campo de atuação, não necessariamente apenas no consultório, pois através dela compreende-se o sujeito e sua questão. Pode ser definida como um “método de responder ao outro de forma a incentivar uma melhor comunicação e compreensão mais clara das preocupações pessoais. É um evento ativo e dinâmico, que exige esforço por parte do ouvinte a identificar os aspectos verbais e não verbais da comunicação” (MESQUITA).

O desafio de ser psicólogo é trabalhar com o que foi citado por Rubem Alves (1999), escutar a subjetividade implicada nas diferentes experiências do sujeito, onde “a escuta vem antes de tudo, pois quando não se escuta, não há ajuda“.

  • AMATUZZI, Mauro Martins. O que é ouvir. Estudos de Psicologia. N 2. Puccamp, 1990
  • ALVES, Rubem. O amor que acende a lua. Papirus, 1999
  • MESQUITA A.C., CARVALHO E.C. A Escuta Terapêutica como estratégia de intervenção em saúde: uma revisão integrativa. Rev Esc Enferm USP 2014; 48(6):1127-36 www.ee.usp.br/reeusp/
  • NEVES, Letícia Tavares. Escuta analítica, empatia e intuição – Trabalho apresentado no XXI Congresso Brasileiro de Psicanálise – Porto Alegre/2007
  • O olhar, o escutar e o escrever como ferramentas
  • Habilidades necessarias para um psicólogo ouvir

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Autoria do texto
Júlia Maria Alves
quem somos julia

Psicóloga graduada pela UFMG (2009), com especialização em Clínica Psicanalítica na atualidade pela PUC-MG (2021) e em Gestão de Pessoas pela Fundação Dom Cabral (2012). Atua com atendimento clínico e orientação profissional e gestão de carreira.

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