Em seu texto de 1914(1), “Contribuição à História do Movimento Psicanalítico“, Sigmund Freud delineia três fases distintas no desenvolvimento da psicanálise :

  1. O tempo da descoberta / O tempo de Solidão (1895-1900): corresponde ao período em que Freud estava sozinho na elaboração do conceito de Inconsciente e demais conceitos fundamentais da psicanálise. Durante esse período, ele trabalhou enfrentando resistência significativa da comunidade científica.
  2. Período de Expansão (1902-1906): Após a publicação de suas primeiras obras, Freud começou a atrair discípulos e colaboradores, formando a primeira linha de psicanalistas. Foi um período de disseminação e crescimento do movimento psicanalítico, com discussões e trocas que ampliaram sua influência. Leia mais sobre esse período aqui.
  3. O Tempo das Dissidências (1909-1914): Este é o foco principal do texto de 1914. Freud aborda o momento em que surgiram rupturas dentro do movimento psicanalítico. Algumas pessoas utilizavam o nome “Psicanálise”, mas praticavam algo que divergia dos fundamentos estabelecidos​. ​

Nesse e nos próximos textos, vamos nos aprofundar um pouco mais em cada um desses momentos. Hoje, começando pelo Tempo de solidão.

Tempo de Solidão – Da Pré-história da Psicanálise a 1902

A psicanálise nunca foi um campo sólido e estável. Desde o início, ela enfrentou turbulências, como demonstra a epígrafe escolhida por Freud para seu texto de 1914(1). A frase latina “Fluctuat nec mergitus”(pág 246), que significa algo como “balança, mas não afunda”, reflete a concepção de Freud sobre a psicanálise: desde seu nascimento, já se discutia sua possível morte. A trajetória da psicanálise sempre foi marcada por controvérsias e desafios.

A primeira parte do texto de Freud cobre o período que ele chama de “Pré-história a 1902“. Essa “pré-história” refere-se ao tempo em que Freud se forma em medicina e se interessa pela hipnose, indo para a França estudar no Hospital de Salpetriere, onde Jean-Martin Charcot (1825 – 1893) trabalhava e lecionava. Após retornar a Viena, Freud começa a trabalhar com Josef Breuer (1842-1925) (ler caso Anna O. aqui), utilizando a hipnose como ferramenta terapêutica. Mais tarde, ele abandonaria a hipnose, iniciando a construção dos fundamentos da psicanálise.

Freud denominou esse período inicial de “tempo de solidão” porque esteve sozinho na elaboração do conceito de inconsciente e na formulação da psicanálise. Esse tempo se estende até 1902, dois anos após a publicação de “A Interpretação dos Sonhos” (1900). Nessa época, Freud já havia delineado os pilares da psicanálise e estava atendendo com base nessa nova lógica.

A histeria, na época, era frequentemente vista como uma farsa, e as pacientes histéricas eram taxadas como mentirosas. Mulheres que apresentavam diversos sintomas físicos inexplicáveis frequentemente tinham seus sintomas aliviados temporariamente sob hipnose, o que reforçava a visão de que estavam simulando. Charcot, por exemplo, sustentava que a histeria era uma mentira.

Freud, no entanto, rompe com essa visão ao afirmar que a histeria possuía uma causalidade distinta, não orgânica. Ele identificou que havia uma verdade no sofrimento das pacientes, mas que essa verdade estava em outro lugar: no inconsciente. Esse insight foi fundamental para a construção do conceito de inconsciente e da psicanálise. Freud argumentou que a causa da histeria era psíquica e não biológica, o que o levou a abandonar a hipnose e a desenvolver os princípios que fundamentam a psicanálise até hoje.

Os pilares da Psicanálise

Em sua obra “Contribuição à História do Movimento Psicanalítico” (1914), enfatiza que, até 1902, os principais conceitos da psicanálise já estavam estabelecidos e interligados, formando a base dessa nova disciplina.  Freud argumenta que a psicanálise é uma criação fundamentada em sua prática clínica e nesses pilares teóricos. Qualquer abordagem que se desvie dessa lógica ou desses fundamentos não deveria ser denominada psicanálise. Ele sugere que aqueles que adotam práticas distintas deveriam nomeá-las de outra maneira, deixando clara a diferença em relação à psicanálise que ele desenvolveu. Essa posição reflete a preocupação de Freud em preservar a integridade e a coerência da psicanálise diante de possíveis dissidências e interpretações divergentes.

parte 2 desse texto

No próximo texto...

… continuaremos a falar mais sobre a história da expansão da Psicanálise e suas ramificações nos dias atuais.  Aqui está o link para o próximo texto.

Referências bibliográficas

  1. FREUD, S. (1996). Contribuição à história do movimento psicanalítico. In: Obras completas, vol11: Totem e tabu, Contribuição à história do movimento psicanalítico e outros textos (1912/1914) / Sigmund Freud; tradução Paulo César de Souza – 1ª Ed – São Paula: Companhia das letras, 2012.

Autor(a)

Julia Maria Alves

Psicóloga (UFMG/2009) com especialização em Clínica Psicanalítica (IEC-PUC MG/2020) e Gestão de Pessoas (FDC/2012)). Hoje atua com Psicoterapia, Orientação Profissional de jovens e Orientação Vocacional na Aposentadoria.

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Julia Maria Alves

Psicóloga (UFMG/2009) com especialização em Clínica Psicanalítica (IEC-PUC MG/2020) e Gestão de Pessoas (FDC/2012)). Hoje atua com Psicoterapia, Orientação Profissional de jovens e Orientação Vocacional na Aposentadoria.

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