Para compreender a história da Psicanálise, um dos textos fundamentais é “Contribuição à história do movimento psicanalítico“, escrito por Freud em 1914(1). Nesse texto, ele delineia três tempos distintos para contar a sua história em paralelo à desse novo saber:

  1. O Tempo de Solidão: Esse período corresponde ao momento em que Freud estava sozinho na elaboração do conceito de Inconsciente e na construção teórica inicial da Psicanálise. Foi uma fase de descobertas clínicas e de formulação dos pilares que sustentariam essa nova ciência.
  2. O Tempo de Expansão: Nesta etapa, outros profissionais se uniram a Freud, formando a primeira linha de psicanalistas. Foi um período de disseminação e crescimento do movimento psicanalítico, com discussões e trocas que ampliaram sua influência.
  3. O Tempo das Dissidências: Este é o foco principal do texto de 1914. Freud aborda o momento em que surgiram rupturas dentro do movimento psicanalítico. Algumas pessoas utilizavam o nome “Psicanálise”, mas praticavam algo que divergia dos fundamentos estabelecidos.

A seguir, vamos nos aprofundar um pouco mais em cada um desses momentos na história da Psicanálise, começando pelo Tempo de solidão.

A psicanálise nunca foi um campo sólido e estável. Desde o início, ela enfrentou turbulências, como demonstra a epígrafe escolhida por Freud para seu texto de 1914(1). A frase latina “Fluctuat nec mergitus”(pág 246), que significa algo como “balança, mas não afunda”, reflete a concepção de Freud sobre a psicanálise: desde seu nascimento, já se discutia sua possível morte. A trajetória da psicanálise sempre foi marcada por controvérsias e desafios.

Tempo de Solidão – Da Pré-história da Psicanálise a 1902

A primeira parte do texto de Freud cobre o período que ele chama de “Pré-história a 1902“. Essa “pré-história” refere-se ao tempo em que Freud se forma em medicina e se interessa pela hipnose, indo para a França estudar no Hospital de Salpetriere, onde Jean-Martin Charcot (1825 – 1893) trabalhava e lecionava. Após retornar a Viena, Freud começa a trabalhar com Josef Breuer (1842-1925), utilizando a hipnose como ferramenta terapêutica. Mais tarde, ele abandonaria a hipnose, iniciando a construção dos fundamentos da psicanálise.

Freud denominou esse período inicial de “tempo de solidão” porque esteve sozinho na elaboração do conceito de inconsciente e na formulação da psicanálise. Esse tempo se estende até 1902, dois anos após a publicação de “A Interpretação dos Sonhos” (1900). Nessa época, Freud já havia delineado os pilares da psicanálise e estava atendendo com base nessa nova lógica.

A histeria, na época, era frequentemente vista como uma farsa, e as pacientes histéricas eram taxadas como mentirosas. Mulheres que apresentavam diversos sintomas físicos inexplicáveis frequentemente tinham seus sintomas aliviados temporariamente sob hipnose, o que reforçava a visão de que estavam simulando. Charcot, por exemplo, sustentava que a histeria era uma mentira.

Freud, no entanto, rompe com essa visão ao afirmar que a histeria possuía uma causalidade distinta, não orgânica. Ele identificou que havia uma verdade no sofrimento das pacientes, mas que essa verdade estava em outro lugar: no inconsciente. Esse insight foi fundamental para a construção do conceito de inconsciente e da psicanálise. Freud argumentou que a causa da histeria era psíquica e não biológica, o que o levou a abandonar a hipnose e a desenvolver os princípios que fundamentam a psicanálise até hoje.

Os pilares da Psicanálise

Freud destaca que, até 1902, os pilares da Psicanálise já estavam definidos: Inconsciente, Recalque, Fantasia e Associação Livre. Ele enfatiza que esses conceitos são indissociáveis e estruturam a essência da Psicanálise. Não é possível, por exemplo, acreditar no Inconsciente e ignorar o Recalque, ou considerar o Recalque e continuar utilizando a hipnose. Esses elementos estão completamente interligados, formando um todo coerente.

Nesse sentido, Freud afirma categoricamente que a Psicanálise é uma criação fundamentada em sua prática clínica e nesses pilares teóricos. Qualquer abordagem que rompa com essa lógica ou esses fundamentos não pode ser chamada de Psicanálise. Freud sugere que aqueles que trabalham de forma distinta nomeiem sua prática de outra maneira, deixando clara a diferença em relação à Psicanálise que ele criou. Mas, voltaremos a falar das dissidências mais adiante. Seguiremos no próximo texto para o segundo tempo dessa história.

No próximo texto...

No próximo texto vamos compreender como se deu o segundo tempo na história da psicanálise, como se deu a sua expansão. Você pode ler o próximo texto clicando aqui.

Referências bibliográficas

  1. FREUD, S. (1996). Contribuição à história do movimento psicanalítico. In: Obras completas, vol11: Totem e tabu, Contribuição à história do movimento psicanalítico e outros textos (1912/1914) / Sigmund Freud; tradução Paulo César de Souza – 1ª Ed – São Paula: Companhia das letras, 2012.
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Júlia Maria Alves
Psicóloga | CRP 04/30.828 em DiálogoPsi | (31) 98590-2535 | julia@dialogopsi.com.br

Psicóloga graduada pela UFMG (2009), com especialização em Clínica Psicanalítica na atualidade pela PUC-MG (2021) e em Gestão de Pessoas pela Fundação Dom Cabral (2012). Atua com atendimento clínico e orientação profissional e gestão de carreira.

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