O uso de drogas na adolescência é preocupante?
A adolescência é um momento crítico, já discutimos isso anteriormente (veja aqui). Dentre as várias mudanças dessa fase, temos a tendência à impulsividade e o envolvimento em comportamentos de risco, por exemplo, o uso de drogas na adolescência. Inclusive, este é um dos comportamentos que preocupam os pais há muitas gerações.
Muitos estudos indicam que é comum entre os adolescentes experimentar pela primeira vez substâncias psicoativas. Assim como muitos dos dependentes químicos declaram que começaram a fazer o uso antes de entrar na maioridade. Além disso, existe algo muito preocupante no uso habitual de substâncias psicoativas na adolescência que demanda uma atenção maior. Bem como torna essa uma das questões mais complexas a serem enfrentadas pelas políticas públicas.
Alguns estudos das neurociências puderam esclarecer que a redução da sensibilidade de um circuito no cérebro relacionado à recompensa (prazer) causa necessidade de maior estimulação e as substâncias psicoativas se encaixam nesse propósito. A princípio, vamos entender isso melhor.
Como a droga age no cérebro?
Antes de tudo, é preciso entender como as “drogas” agem no Sistema Nervoso Central levando a uma dependência. A princípio, como já foi dito, existe um Sistema Cerebral de Recompensa, essa área é ativada quando algo é interpretado como prazeroso. A ativação dessa rede de neurônios é de extrema importância para o aprendizado. De forma que os comportamentos que despertam essa sensação de prazer são reforçados e repetidos. Além disso, essa função ajuda na sobrevivência reforçando comportamentos que naturalmente nos levam à nutrição, homeostase (bem-estar) e reprodução. É por isso que alimentação, esquiva de situações estressantes e interações sexuais estão no topo da lista de motivação.
O fato é que as drogas de abuso atuam nesse mesmo sistema gerando inicialmente um prazer muito mais intenso do que os comportamentos citados. Mas, esse prazer vai ficando mais fraco com o tempo, o que exige um uso mais frequente e/ou maiores quantidades para se conseguir aquele mesmo efeito inicial ao longo do tempo. Isso altera a neuroquímica cerebral podendo afetar não só o Sistema Nervoso Central, como os demais órgãos.
As consequência do abuso
Pesquisas têm apontado várias consequência do abuso de álcool e outras substâncias psicoativas. Segundo Matos, Alfano e Araújo (2004) “o funcionamento neuronal pode ser alterado pelo uso de qualquer droga com consequente modificação do desempenho das funções cerebrais, tais como todo o processo do pensamento normal, sensopercepção, atenção, concentração, memória, sentimentos, emoções, coordenação motora, nível intelectual, entre outras”. É claro que existem diferenças no efeito que dependem se a droga utilizada é depressora, estimulante ou alucinógena.
Para falar sobre possíveis efeitos vamos usar como exemplo a maconha. Esta droga tende a ser considerada uma substância psicoativa mais leve, ao passo que costuma ser julgada como a porta de entrada para outras drogas que geram dependência. Em 1996 Pope e Yurgelun-Todd já haviam constatado, por exemplo, que o uso da maconha por períodos breves podem gerar dificuldade de aprendizagem, aumento da vulnerabilidade à distração, afrouxamento das associações, prejuízos na atenção seletiva e memória de curto prazo (aquela operacional, necessária para manter as informações importantes para a resolução de uma questão ou tomada de decisão).
O uso prolongado da maconha, segundo Rigoni, Da Silva Olievira e Andretta (2006), gera prejuízos cognitivos relacionados à organização e integração de informações complexas principalmente na atenção e memória de curto prazo redução da capacidade de ter flexibilidade mental e perseveração. Percebe-se também alteração da capacidade visual, diminuição da coordenação motora, letargia, “síndrome amotivacional” fruto da diminuição progressiva da motivação que pode vir acompanhada labilildade, irritabilidade depressão e ansiedade além da possibilidade de infertilidade (reduz a quantidade de testosterona).
O que foi relatado acima pode acontecer com os usuários de maconha com qualquer idade, assim como tem alguns aspectos que poder ser semelhantes ao uso de outras drogas (álcool, cocaína, haxixe, etc), enquanto outras drogas podem ter efeitos mais nocivos como craque, anfetaminas alguns alucinógenos.
Por que é preocupante o uso regular de drogas na adolescência?
Agora pense o que seria o efeito do uso de substâncias que modificam a forma do Sistema Nervoso funcionar em uma época que é caracterizada como uma fase de grandes mudanças biopsicosociais?
O ser humano passa por algumas fases em que há uma intensificação da neuroplasticidade cerebral, momento de reestruturação: novas conexões cerebrais são formadas e outras que não serão mais utilizadas são descartadas. Passamos por fases como essa também até os seis meses de vida e entre os dois anos de idade, e a adolescência é a última fase de mudanças tão intensas no cérebro.
O adolescente além de estar mais susceptível ao uso de drogas tem mais chance de ter seu sistema nervoso prejudicado pelo uso e maior possibilidade de se tornar um dependente químico.
Isso pode ser justificado porque “quando a pessoa tem o seu cérebro em desenvolvimento, estímulos externos podem influenciar a maneira como esse cérebro irá se formar. Dessa forma, quando a criança ou adolescente consume de álcool e/ou outras drogas, a substância chega sistema nervoso central, age nesse sistema de recompensa (através da ligação dos metabólitos do álcool com receptores localizados nas células neuronais) e provoca modificações no funcionamento dele, deixando ele muito sensível às situações que causam prazer” (SORDI et al.- Centro de Pesquisa em Alcool e Drogas UFRGS).
Em outras palavras, quanto mais cedo se der o início do uso de drogas pior pode ser o efeito no cérebro, pois pode gerar um rearranjo sináptico diferente do que se é esperado para idade adulta.
O que é mais preocupante é o fato de que a adolescência por si só leva a diminuição do número de receptores da dopamina (um neurotransmissor), essa diminuição esta associada a redução da sensibilidade no circuito do prazer. Como o uso de drogas à longo prazo também provoca esse efeito de redução dos receptores de dopamina, têm-se uma dupla ação que dificulta a ativação do sistema de recompensa. Isso torna a questão muito mais difícil de ser revertida e aumenta a propensão ao vício e de desencadear um transtorno mental associado ao uso de drogas. Além disso, esses jovens, ao chegar na vida adulta, acabam precisando de estímulos muito maiores para conseguir sentir prazer, o que predispõe ao desânimo, desinteresse, tristeza e anedonia.
É de extrema importância educar os jovens quanto ao uso e abuso de substâncias psicoativas, pois os efeitos podem repercutir ao longo de toda a vida do indivíduo e gerando consequências diversas.
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Referências Bibliográficas:
- Mattos, P.; Alfano, A. e Araújo, C. (2004). Avaliação neuropsicológica. Em: Kapczinski, F., Quevedo, J. e Izquierdo, I. Bases Biológicas dos Transtornos Psiquiátricos (pp.149-155). Porto Alegre: Editora Artmed.
- OARES, Hugo Leonardo Rodrigues; GONCALVES, Hérica Cristina Batista; WERNER JUNIOR, Jairo. Cérebro e o uso de drogas na infância e adolescência.Fractal, Rev. Psicol., Rio de Janeiro , v. 22, n. 3, p. 639, Dec. 2010 . Disponível em <aqui> Accessado em 14 Feb. 2016.
- RIGONI, Maisa dos Santos; DA SILVA OLIVEIRA, Margareth; ANDRETTA, Ilana. Conseqüências neuropsicológicas do uso da maconha em adolescentes e adultos jovens.Ciênc. cogn., Rio de Janeiro , v. 8, p. 118-126, ago. 2006 . Disponível em <aqui>. acessos em 14 fev. 2016.
Outros textos dessa autora:
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Nathalia Santos da Costa
Psicóloga e mestre em Neurociências pela UFMG, pós graduada em Neuropsicologia pela FUMEC. Experiência clínica em atendimento psicoterapêutico, avaliação neuropsicológica e orientação profissional e de carreira. Experiência em docência em cursos de graduação, pós- graduação de psicologia e psicopedagogia e capacitações em instituições de ensino.
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