A pedofilia é classificada pela psicanálise como um “transtorno de uma estrutura psicopatológica caracterizada pelos desvios de objeto e finalidade sexuais” 1. Por algum motivo, o pedófilo tem uma alteração na dinâmica da sexualidade. Para eles o objeto de desejo é a criança e o adolescente.

Sendo a pedofilia apreendida como doença, há indicação de tratamento terapêutico e/ou medicamentoso. A compreensão da condição clínica não exime o indivíduo de ser punido pelo crime que possa vir a cometer. Aqui cabe uma reflexão sobre a prevenção, a identificação precoce e o tratamento da pedofilia. Porém, o estigma construído acerca do tema e a criminalização dos abusadores sexuais criam uma atmosfera que dificulta a procura de tratamento.

O advogado Felippe Rabelo dos Santos escreveu gentilmente esse artigo para que possamos compreender “quando a pedofilia vira crime” e a diferença entre o Pedófilo e o Abusador sexual.

Fonte: 1- “O PERFIL DO PEDÓFILO: UMA ABORDAGEM DA REALIDADE BRASILEIRA” Joelíria Vey de Castro e Cláudio Maldaner Bulawski

Cedendo a palavra

Quando a Pedofilia vira crime
Por Felippe Rabelo dos Santos

Chamamos de hediondo aquilo que causa repulsa, indignação e extrema reprovação moral. Este artigo não se propõe a discutir o que é a moral, tema por vezes árido e abstrato, que pela própria natureza atrai diferentes entendimentos. Este artigo se propõe a instigar a discussão sobre a pedofilia, ainda que não tenha a pretensão de esgotar o tema ou analisá-lo em um viés estritamente jurídico.

A pedofilia é uma triste realidade presente no seio da sociedade. Contudo, o que por ora é definido como triste, em outras culturas é apenas um detalhe, um fato que beira a trivialidade. Em alguns países do Oriente Médio, uma criança, normalmente do sexo feminino, é considerada apta ao matrimônio antes mesmo da puberdade.

No Afeganistão, especialmente quando o país era dominado pelo Talibã, o abuso de crianças do sexo masculino não era algo que causava qualquer indignação social. A incidência de condutas libidinosas entre adultos e crianças era tão comum que já não causava qualquer reprovação moral.

A CID 10 da Organização Mundial de Saúde, em seu item F 65.4, classifica a pedofilia como transtorno de preferência sexual por crianças, geralmente pré-púberes ou não. Há muitas divergências entre médicos, psicólogos e outros profissionais da área da saúde quanto ao conceito de pedofilia, suas razões e possíveis tratamentos.

A pedofilia para o direito

A ciência do direito se ocupa das normas obrigatórias que controlam as relações dos indivíduos em uma sociedade. Interessa ao direito que as condutas reprovadas socialmente sejam inibidas, e isso acontece por meio da criminalização de tais condutas.

O objetivo primeiro da lei penal é desincentivar a delinquência. Não interessa à sociedade que a conduta criminosa aconteça. Entretanto, partindo o delinquente ao ato, agindo conforme é tipificado como crime, deve então ser instaurado o processo penal que poderá culminar na pena de prisão do criminoso. A prisão é a pena mais gravosa adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Por tais razões, pode-se afirmar que a pedofilia em si não é crime. A preferência intima sexual por crianças não é crime. Cabe ao direito não permitir que a pedofilia aconteça ou, em caso de sua ocorrência, seja o criminoso devidamente punido.

O crime de pedofilia

No Brasil, o “crime de pedofilia” não se limita a ocorrência do contato físico, de cunho sexual, entre um adulto e um menor. As mais diversas condutas adotadas por um adulto, no intuito de saciar sua lasciva em relação a menores, é reprovada e tipificada como ato criminoso.

É na Lei 8.069/90, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, e no Código Penal Brasileiro, que estão previstas as condutas criminosas relacionadas a pedofilia.

Se, por um lado, a medicina e a psicologia se ocupam das causas que levam um sujeito à pedofilia e seu possível tratamento, o direito, por sua vez, busca garantir a proteção do menor nas mais diversas situações.

Não é novidade que não apenas o contato físico, de cunho sexual, entre um adulto e um menor, ser criminalizado. A lei também define como criminosa as condutas que podem ser adotadas por um pedófilo, colocando em risco os mais basilares direitos de crianças e adolescentes, tais como sua imagem, privacidade e integridade física.

Outras condutas criminosas

Encontra-se no Estatuto da Criança e do Adolescente os tipos penais relacionados ao abuso de crianças e adolescentes, que extrapolam o efetivo contato físico entre o menor e o adulto.

Comete crime, por exemplo, quem produz ou reproduz cenas de sexo ou pornografia entre menores, assim como é criminoso aquele que compra ou vende este tipo de material. A troca, disponibilização, ainda que gratuita, por qualquer meio, ainda que virtual, também constitui crime.

O Código Penal, por sua vez, tipifica os crimes contra a dignidade sexual cometidos contra vulneráveis, ou seja, pessoas abaixo de 14 anos de idade. É tipificado como crime não apenas manter conjunção carnal com um menor, mas também, por exemplo, induzir o menor a tal ato consigo ou com outrem, restando assim também criminalizado a prostituição de menores.

No ano de 2009 o crime de estupro de vulnerável foi incluído no seleto rol de crimes hediondos, que são crimes que causam ainda mais repulsa social, são mais severamente punidos, e aqueles que cometem tais crimes têm maiores dificuldades de obter a progressão do regime da pena e voltar mais rapidamente ao convívio social.

A internet como instrumento de criminalidade

A internet é, com certeza, uma das principais ferramentas usadas pelos pedófilos para alcançarem seus objetivos, seja produzindo e trocando materiais com outros pedófilos, seja conseguindo o primeiro contato com o menor com quem se pretende agir em desacordo com a lei.

Lado outro, são as facilidades proporcionadas pela internet, que tanto incentiva a atuação dos pedófilos, que também garante a maior facilidade às autoridades para que os criminosos sejam encontrados. Afinal, como já é de conhecimento notório, não há, verdadeiramente, anonimato na internet.

Entretanto, a atuação da polícia, normalmente a responsável inicial pela investigação, depende de denúncia, já que a atuação individual de criminosos dificilmente chama atenção.

Em data recente, a primeira edição do programa de televisão MasterChef Junior, onde crianças e adolescentes competem pelo título de melhor cozinheiro, chamou atenção, causando revolta e repúdio em muitas pessoas, que viram algumas das crianças participantes serem assediadas sem qualquer pudor.

O assédio aconteceu por meio da internet, especialmente através da rede social Twitter. Em proporção superior ao assedio dos pedófilos, milhares de internautas expressaram seu repúdio quanto as declarações criminosas.

Apesar de não haver diferença entre crimes que tiveram grande repercussão social e outros que apenas se limitaram a esfera da família do ofendido, acredita-se que aqueles que ganham a mídia sejam mais rapidamente investigados, dando origem a um processo penal que poderá culminar em pena para o delinquente.

As crianças assediadas, no entanto, já sentiram a dor do crime. Já são vítimas. Certamente, por mais que os pais tentem protegê-las, já souberam dos comentários, da repercussão dos assédios recebidos. Já tiveram sua intimidade e privacidade violadas e foram desrespeitadas.

A exposição das imagens das crianças da televisão não justifica, de forma alguma, o assedio sofrido.

O Brasil ainda é um país onde a população sofre com a carência da segurança, seja para adultos ou crianças, nas ruas ou na internet. A tranquilidade com que pedófilos assediaram crianças que participam de um programa televisivo é assustadora. A crença na impunidade é flagrante. Caso contrário, seria difícil imaginar tanta indiferença em relação as penas previstas na lei.

É recente a classificação da pedofilia como crime hediondo. Os pedófilos se valem dos mais modernos meios para cometer crimes. A evolução tecnológica é rápida e constante. É essencial que o cuidado dos pais acompanhe essas transformações, para que saibam como proteger seus filhos das grandes ameaças que chegam discretamente por uma tela de computador.

Leia mais aqui: Divórcio – Como não afetar os filhos

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Felippe Rabelo dos Santos

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