Um assunto frequente nos atendimentos psicológicos diz respeito à tomada de decisões com emoção. Como saber se tomo decisões acertadas? E como se dá a tomada de decisões quando levo em consideração minha emoção?
Os antigos filósofos, os poetas, as músicas… muito se fala sobre emoção. Apesar de muito comentada e debatida, definir emoção é algo complicado. Você, por exemplo, antes de prosseguir na leitura, sabe definir o que é emoção?
O reconhecimento desse importante atributo humano, que foi deixado à sombra de outras funções ao longo do tempo, e o alerta através dos conhecimentos das neurociências de que no estudo das emoções pode estar a solução de muitas questões da nossa era.
1º MITO: A morada da emoção é o coração – que conecta-se à alma
Muitos elementos apontam para ideia de que, aquilo que nos emociona, está no coração. Por exemplo, quando estamos emocionados sentimos algo no peito. No entanto, antes de alcançar esse ‘lugar’ em nosso corpo físico, a emoção era associada a algo da alma, algo etéreo. Algo que vem de fora e domina nossa experiência. Contudo, os avanços científicos nas áreas biológicas, fisiológicas, neurocientíficas e psicológicas, contribuíram para a mudança dessa concepção. Percebemos que, apesar de comum, a emoção é um conceito muito complexo e abordado por diversos campos da ciência.
Recentemente, surgiu uma versão bastante lúdica sobre as emoções, o filme infantil Divertida Mente. Ele conseguiu ilustrar a mudança de paradigmas com a concepção de que emoção é sim um trabalho que acontece na mente de pessoa (ou seja, no cérebro) e não algo romanceado e trazido do exterior. O filme representa as cinco emoções básicas (Alegria, Medo, Raiva, Nojinho e Tristeza) trabalhando na cabeça de uma adolescente. Esses personagens se esforçam ao longo da trama para a adolescente em questão se adaptar ao novo ambiente após uma mudança de cidade.
O objetivo da emoção é a adaptação
Antes de chegar à definição de fato do que é emoção, e aproveitando a deixa do filme Divertida Mente, o objetivo da emoção é a adaptação. Segundo Cosenza e Guerra (2011, p. 76): “as emoções são importantes para que o comportamento mais adequado à sobrevivência seja selecionado em momentos importantes da vida do indivíduo”. Os termos utilizado nessa citação nos remetem a teoria de Darwin (seleção, sobrevivência…). E isso faz todo sentido quando descobrimos que a sistematização do que foi produzido sobre expressão emocional antes do século XIX foi apresentada justamente por ele, no seu famoso estudo: ‘A expressão das emoções no homem e nos animais’ (1882). Através desse compilado, Darwin procura esclarecer que aquilo que era caracterizado como mental ou da alma, acontecia fisicamente, como algo palpável do corpo, ou seja, é biológico.
Nessa citação vemos o esforço que Darwin faz para propor o que hoje está claro devido aos avanços da medicina e desenvolvimento da psicossomática: Existe uma relação entre corpo e mente. E, que através da neurociência, nos atentamos para o fato de que a mente tem um substrato físico (dentro do corpo), que é o nosso sistema nervoso! Então, nossos pensamentos passam por processamentos químicos celulares e tudo mais. Isso acontece não apenas no fluxo do que pensamos, que chamamos de cognição, como também nas emoções que experienciamos.
Então, o que é emoção?
Com o que foi esclarecido até agora é possível apresentar a definição de emoção de Antônio Damásio, um dos neurocientistas mais comprometidos com estudo da emoção:
Ou seja, uma emoção é disparada sempre que estamos em uma situação que é marcante para o indivíduo e exige uma ação diante daquele fato. Assim, a emoção vai sinalizar o tipo de comportamento a ser emitido. É como se a emoção desse uma pista, vai indicar o que agrada e o que não agrada. Por exemplo, quando um bebê vê o rosto da mãe ou de outra pessoa que seja sua cuidadora e mostra sinais de alegria (sorri, agita o corpo, mostra seu bem-estar). Da mesma maneira, quando ele reconhece algo que já lhe trouxe uma situação desagradável, vai sinalizar com sofrimento, medo ou raiva. Como, por exemplo, quando evita a enfermeira que acabou de lhe aplicar uma injeção.
A emoção vai orientando o comportamento para conseguir novamente as sensações de prazer e bem-estar. Bem como evitar situações que possam trazer sofrimento. Por isso, as emoções são reguladoras e atuam para a sobrevivência do indivíduo. Afinal, se eu não sentisse medo, dor, tristeza, não evitaria situações que me oferecessem risco de vida, não prezaria pela minha saúde e bem-estar ou por relações sociais que sejam positivas. Assim como sentir prazer, alegria e amor, não me ajudariam a estabelecer esforços para comportamentos vitais, como alimentar, criar vínculos sociais e procriar.
2º MITO: A emoção abala a razão! A tomada de decisões com emoção é inferior à razão
Existem muitos ditos populares que trazem a lição de que, para tomar uma decisão importante é preciso deixar a emoção de lado. Por exemplo, “não tome decisão de cabeça quente” ou “não deixe o coração falar mais alto que razão”, entre outras. Porém, existem duas razões que contradizem esse mito:
Primeiro, a emoção e a cognição são interdependentes. Wallon (um teórico do desenvolvimento humano) já propunha que tanto afetividade quanto a cognição não aparecem prontas e, ao longo do desenvolvimento, se modificam e interferem uma na outra. Assim, tendo cada fase do desenvolvimento um foco diferente, ou emocional ou cognitivo, mas, de forma geral, as necessidades afetivas se tornam cognitivas. Ou seja, uma retroalimenta a outra!
Uma emoção me leva a pensar sobre como dar uma resposta à situação, planejando um comportamento ou a refletir sobre a situação ou si mesmo e etc.
O segundo motivo já foi explicitado na própria definição da emoção, pois se ela tem uma função regulatória e nos sinaliza o que nos faz bem ou mal, logo as emoções têm uma contribuição nas nossas tomadas de decisão. É obvio que não tomamos decisão apenas baseado naquilo que nos faz bem, pois vivemos em um ambiente extremamente complexo, onde vários fatores devem ser considerados e muito do que pode nos fazer bem agora, pode levar a um mal posterior (a longo prazo) e vice e versa. Contudo, a questão não é tamponar a emoção na hora de tomar uma decisão, mas considerá-la como aspecto importante, já que é uma fonte de mensagens instantâneas do nosso corpo.
Existe ainda uma gama enorme de informações entre o despertar uma emoção – tomar uma atitude e uma decisão – e os efeitos que isso traz para nossa vida. Não só a psicologia, mas também áreas da educação, saúde e comunicação, têm muito a absorver do conhecimento de como essa relação (emoção-pensamento-comportamento) acontece, se desenvolve e o impacto que tem nas relações que são estabelecidas com o meio e consigo mesmo.
Por ser um assunto denso, o próximo texto desta coluna trará a continuidade desse. Abordarei a importância de reconhecer e saber lidar com as emoções (manejo emocional) e qual a contribuição da psicoterapia nesse aspecto.
Continue a leitura da segunda parte desse texto: Emoções – parte 2
Referências:
- ALMEIDA, A.R.S. A emoção na sala de aula. Campinas: Papirus, 1999.
- DARWIN, C. A expressão das emoções nos homens e nos animais. Tradução de Leon de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
- CONSENZA, R. & GUERRA, L.B. Neurociências e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011.
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Autor(a):
Nathalia Santos da Costa – Psicóloga e mestre em Neurociências (UFMG), pós graduada em Neuropsicologia (FUMEC). Experiência clínica em psicoterapia, avaliação neuropsicológica e orientação profissional e de carreira. Experiência em docência em cursos de graduação, pós- graduação de psicologia e psicopedagogia e capacitações em instituições de ensino.
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Nathalia Santos da Costa
Psicóloga e mestre em Neurociências pela UFMG, pós graduada em Neuropsicologia pela FUMEC. Experiência clínica em atendimento psicoterapêutico, avaliação neuropsicológica e orientação profissional e de carreira. Experiência em docência em cursos de graduação, pós- graduação de psicologia e psicopedagogia e capacitações em instituições de ensino.
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Autoria do texto
Nathalia Santos da Costa
Psicóloga e mestre em Neurociências pela UFMG, pós graduada em Neuropsicologia pela FUMEC. Experiência clínica em atendimento psicoterapêutico, avaliação neuropsicológica e orientação profissional e de carreira. Experiência em docência em cursos de graduação, pós- graduação de psicologia e psicopedagogia e capacitações em instituições de ensino.
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